Consumidor conectado e empoderado quer experiência e entretenimento no ponto de venda físico, que passa a precisar ser concebido de forma mais sistêmica do que antes
Até pouco tempo atrás, o desafio de montar um novo ponto de venda se resumia a buscar um projeto arquitetônico inovador, que levasse os clientes a atravessarem as portas pela beleza, pela decoração criativa ou até pelo aroma. A preocupação concentrava-se principalmente nos quesitos estéticos. As lojas contemporâneas e, principalmente, as do futuro não podem se limitar a essa esfera. As novas fronteiras vão muito além da tecnologia e do digital, que costumam ser os primeiros campos que vêm à mente dos profissionais de Marketing quando pensam nos espaços dos próximos anos.
Falta ainda às marcas colocar o consumidor no centro na hora de idealizar suas unidades. Hoje, a maioria das lojas é idealizada, inicialmente, do ponto de vista arquitetônico. Só depois do projeto idealizado e, até, implantado, é que se tenta encaixar o atendimento, o relacionamento, a tecnologia, os processos e os aspectos ominichannel. Para que a experiência do consumidor no ponto de venda seja plena, entretanto, é necessário adotar um olhar sistêmico sobre o espaço, que prevê uma concepção integrada desses quesitos.
A concepção, que passava pela mente do arquiteto, agora precisa partir de uma equipe multidisciplinar. “O trabalho envolve pesquisas com consumidores, visitas internacionais, análises sob o ponto de vista da tecnologia, dos processos, do relacionamento, dos outros canais de venda e do comportamento futuro das pessoas, para que a solução já contemple todos os pontos. Trata-se de um processo multidisciplinar e cocriativo”, ressalta Beth Furtado, Sócia-Diretora da Alia Consultoria de Marketing, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Um olho no presente e outro no futuro
Beth participou da idealização da nova loja da C&A, aberta em julho no Leblon (Rio de Janeiro) dentro dessa filosofia. No ponto de venda dedicado exclusivamente ao público feminino, com cerca de 600 metros quadrados, os produtos são dispostos de forma diferenciada das demais unidades da rede, pensando no perfil das consumidoras do bairro. A unidade conta ainda com um formato em estilo de boutique, inédito em toda a rede.
Quando o espaço físico é concebido sem que se leve as outras áreas em consideração, a experiência do consumidor no ambiente acaba comprometida. Há ainda a necessidade de se incluir na solução as tendências tecnológicas e comportamentais que ainda são embrionárias. “Quando a companhia faz uma pesquisa apenas do presente, a loja já nasce, muitas vezes, velha. Antigamente, eram consideradas concorrentes apenas as empresas que atuavam no mesmo setor, e isso não vale mais. É fundamental olhar para todo o mercado”, destaca Beth.
As tendências acabam transitando pelos diversos segmentos. Um exemplo disso é o autoatendimento, a possibilidade de tocar e escolher os produtos de forma autônoma. Essa era uma característica, inicialmente, dos supermercados, que aos poucos foi alcançando diversos outros setores. “O de calçados é um dos únicos que ainda resiste. As experiências hoje são multissetoriais. O que o consumidor vivencia e aprova em uma loja ele quer em outra, independente da atividade delas”, analisa Beth.
Referências internacionais
Para conceber uma experiência o mais rica possível para seus clientes, a C&A trabalhou durante alguns meses na busca por tendências e melhores práticas - o que levou os executivos a localidades como Tokio, Hong Kong e Dubai. A intenção dessas viagens era que os profissionais retornassem ao Brasil com uma complementação da visão que eles já têm em relação à atuação nos Estados Unidos e na Europa. A equipe também participou de diversos workshops, que tratavam de assuntos relativos aos comportamentos do consumidor, à tecnologia a ao futuro. Especialistas de fora da companhia foram responsáveis por agregar visões de futuro ao time.
O resultado foi a abertura da unidade no Leblon, diferenciada em relação às cerca de 300 demais. Quanto à arquitetura, o ponto de venda conta com elementos mais naturais, como paredes de cimento queimado e tijolos aparentes. Uma vitrine aberta garante maior mobilidade e acesso à loja. Para a comunicação com as clientes, o ambiente tem ainda um vídeo wall, no qual são apresentadas as coleções e informações sobre a empresa. A decoração traz móveis diferenciados e mais modernos, e os provadores têm cabines maiores e mais espelhos para dar conforto às consumidoras.
O resultado promove uma circulação pela loja mais orgânica e intuitiva, em que a passagem de uma sessão para outra se dá de forma natural. Os manequins trazem uma curadoria de moda e o ambiente estabelece uma conversa mais rica com as clientes. Deixou de existir, por exemplo, uma área destinada aos calçados. Eles estão espalhados pela unidade de forma a complementarem as roupas.
Aprendizado e inovação
A solução também buscou tornar o espaço mais aconchegante, já que as pesquisas mostraram que, por ter uma maior variedade de canais disponíveis para compra, os clientes vão à loja física também atrás de entretenimento. “Precisamos ressignificar essa experiência no ponto de venda à medida que o consumidor ganhou mais poder. Hoje, a fidelidade do cliente é o que menos se encontra. Nós é que precisamos nos adaptar aos momentos dele”, avalia Elio Silva, Diretor de Operações da C&A, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Agora, pouco a pouco, características dessa nova concepção serão incorporadas ao restante da rede, sempre respeitando as peculiaridades de cada público, já que a marca atua em regiões com perfil mais popular do que o do bairro da Zona Sul carioca. “Tiramos desse projeto vários aprendizados para reproduzir em outras unidades, embora as adaptações levem algum tempo. Vamos sempre considerar o contexto, a expectativa do cliente em relação à experiência e à nossa proposta de valor. A consumidora do Leblon está sob influência de determinados elementos e busca encontrar experiência de compra e serviço. Em outros locais, a preocupação está mais focada no custo-benefício do produto”, afirma Silva.
A novidade tem como pretensão manter um reconhecimento de inovação e pioneirismo da marca em seu mercado. A multinacional está presente no Brasil desde 1976. “Na chegada da empresa, ainda não havia venda de moda em autosserviço em grande superfícies no país. Em 1984, fomos a primeira varejista a oferecer cartão de crédito próprio. Na década de 1990, com as campanhas do Sebastian, apresentamos o primeiro garoto propaganda negro do Brasil. No ano 2000, fomos pioneiros no lançamento do e-commerce e acabamos saindo desse canal. Agora, decidimos voltar com a melhor experiência do segmento, não só de navegação e compra, mas de entrega e de troca de peças”, destaca Silva.
Efeitos da crise
Apesar de recentemente ter fechado duas lojas em shoppings - uma no Anália Franco, na Zona Leste de São Paulo, e outra no BarraShoppingSul, em Porto Alegre -, a marca garante não ter feito grandes alterações em seu plano de expansão ao longo deste ano. Em oito meses, foram abertas 36 lojas - 11 delas em 2015. Cerca de 70% de suas unidades estão concentradas nos centros de compras, que costumam dispôr mais facilmente de espaços maiores para os empreendimentos.
Ainda assim, a companhia está atenta ao desempenho da economia. “Estamos olhando com cuidado, não vamos entrar em projetos com maior risco. Pensamos sempre no longo prazo. Tivemos alguns fechamentos, por conta de avaliações em relação à rentabilidade, mas não temos planos de interromper a operação de mais lojas”, garante Silva.
http://www.mundodomarketing.com.br/reportagens/pdv/34262/como-e-a-loja-do-futuro-case-c&a.html
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